segunda-feira, julho 06, 2009

O PULO DO GATO

O pulo do gato
Meu irmão tem umas historinhas interessantes que se aplicam a esclarecer pontos do Evangelho de modo sugestivo, para leitores mirins, mas que também podem interessar ao leitor adulto. Estou tentada a escolher uma delas e postá-la aqui, hoje. Vejamos esta:

INIMIGOS DE OUTRAS VIDAS

Alegre, comunicativo, a todos Arlindo cativava com seu jeitão de fazer amigos e a todos servir com dedicação e simplicidade. Decididamente não era má pessoa, entretanto, a presença do Otávio causava-lhe um indisfarçável mal-estar não poupando oportunidade para realçar sua repulsa ao jovem colega de trabalho que, não obstante, tudo fazia para conquistar-lhe a amizade.
Certa feita, o pacato Otávio, ao ensejo de uma reunião informal, aproximando-se do seu desafeto, falou de maneira quase imperceptível aos demais colegas:
- Não me recordo de tê-lo ofendido, a não ser inconscientemente; peço-lhe, então, que me perdoe. Se não pudermos ser amigos, vamos conviver civilizadamente como colegas?
-Nunca. Sua presença constrange-me, irrita-me, tenho ímpetos de esganá-lo. Suma daqui.
Ao tomar conhecimento do incidente, o Sr. Nilton, gerente geral da empresa, chamou o Arlindo para uma conversa reservada.
Ainda transtornado, Arlindo comentou que não suportava a proximidade do Otávio, embora desconhecesse o motivo real da aversão. A simples aproximação do tal colega causava-lhe sobressaltos e repugnância. Ele, Arlindo, era funcionário muito mais antigo, portanto tinha o direito de pleitear a demissão do seu desafeto.
O Sr Nilton, homem justo, ponderado, de uma larga visão dos problemas de relacionamento humano além daqueles que ocorrem no trabalho, considerou pacientemente:
-Arlindo, não se precipite, uma atitude intempestiva pode trazer consequências desastrosas e acarretar futuros sofrimentos e remorso para quem a toma. Consideremos, outrossim, que o Otávio é um bom rapaz, ordeiro e respeitador. Inteligente, é um dos melhores funcionários, além do que é você quem o discrimina e está criando caso.
- Sr. Nilton, vou ser demitido, então?
- Não. Pelo menos, agora, não. Você terá uma nova chance. Procure aceitá-lo como seu colega e companheiro. Se não conseguir de imediato, apenas ignore-o. Não agrida, não tome partido. Fique neutro. Simplesmente ignore-o. Com o tempo, a repulsa arrefece, você superará o problema. Leve este livro, todas as noites leia uma página, medite, faça uma oração antes de dormir.
Meio sem graça, Arlindo pôs no bolso o livro 'Gotas de Esperança', de Lourival Lopes, pediu licença e retirou-se. Posteriormente, o Sr. Nilton procurou ouvir a outra parte.
- Otávio, qual a razão da desavença? Você o provocou?
- Não, Senhor. Não há razões que justifiquem a atitude do Arlindo. Pelo contrário, tentei esclarecer, convidei-o ao entendimento, o que o levou ao quase total descontrole.
- É, com o meu modo de ver a vida e o mundo, determinados fatos têm raízes profundas no passado. Uma decisão precipitada, sem uma análise apurada da origem da questão, poderia levar-me a aplicar uma punição severa com o risco de causar uma revolta maior e o desejo de uma retaliação. Arlindo é um funcionário capaz, ativo, eficiente, responsável, precisa ser orientado e não demitido.
- Como devo agir, então?
- Tenha paciência. Releve as ofensas recebidas. Vigiando-se e orando, você anulará o mal. Vou providenciar um livro para você ler e estudar.
- Um livro para resolver um problema tão sério! Qual?
O Evangelho Segundo o Espiritismo. Não é um simples livro. É um Manual de Conduta Humana, um Código de Ética, um Poema de Amor. Manual para ser lido, relido, meditado e adotado; código para ser observado e respeitado; poema para ser declamado e vivido em toda a sua beleza e realidade, em toda sua significação e abrangência.
- Quero o livro. Desejo conhecer tal preciosidade.
- Convido-o também para freqüentar o Centro Espírita que dirijo e participar do grupo de estudos da doutrina todos os sábados, às dezesseis horas.
Passaram-se dois meses. Arlindo procurou o Sr. Nilton para agradecer e devolver-lhe o livro. Dizia-se impressionado com o que leu, jamais imaginou que a vida esperasse tanto de nós, mas não se achava em condições de viver pacificamente com aquele a quem detestava.
- Entendo, Arlindo. Vejo que houve algum progresso. Você não mais o insultou. Trouxe para você um novo livro. Quero que leia com muita atenção, medite.
Estranhando o título 'O Livro dos Espíritos', replicou:
- Sr. Nilton, está brincando comigo? Espíritos são coisas do outro mundo! Quer assustar-me?
- Absolutamente, não. Os espíritos são deste mundo mesmo, apenas estão em outro plano,não material. Convivem conosco, nos influenciam e são influenciados por nossos pensamentos. Leia e, depois, volte para comentar.
Foram quatro meses de expectativa. Profundo observador, Sr. Nilton notava que a leitura do Evangelho e o estudo aos sábados, no Centro Espírita, proporcionava a Otávio notável crescimento no aspecto moral, enquanto Arlindo dava mostras de assimilar a parte filosófica da Doutrina. Considerou, então, ser a hora azada para fazê-lo participar das sessões experimentais e de estudo de 'O Livro dos Médiuns', nas noites de quarta-feira.
Arlindo surpreendia a todos por sua capacidade de compreender e apreender o que era estudado e discutido nas reuniões. Não demorou para nele desabrocharem as mediunidades de vidência, psicografia e psicofonia. Passou a ter sonhos que considerava estranhos, vez que se via em lugares diferentes, com pessoas para ele desconhecidas, em trajes de outras épocas, empunhando espadas manchadas de sangue e rindo de cadáveres estendidos ao longo do caminho. Aflito, comentou tal fato com o Sr. Nilton.
Você apreendeu facilmente a Doutrina em seu aspecto filosófico, revelou-se médium de apreciável potencial que precisa ser educado à luz do Evangelho; então, chegou o momento de conhecer o lado moral. Vou encaminhá-lo ao estudo do Evangelho, nas tardes de sábado. espero-o no próximo fim de semana – disse-lhe o gerente.
Envolver-se com coisas de religião devia ser para velhas beatas que cheiram a incenso, emocionam-se com cânticos e gastam tempo em adorações inócuas , ou para homens submissos, de índole fraca. Mas o Sr. Nilton jamais demonstrou pieguices, sempre foi circunspecto e de decisões firmes - pensava Arlindo, indeciso.
Entre a dúvida e a curiosidade, atrasou-se, chegou vinte minutos depois da hora marcada. Entrou de mansinho para não ser percebido. Queria examinar o rumo dado a tais reuniões.
De repente, o susto. Quem discorria sobre o ponto do Evangelho em estudo era seu desafeto, Otávio. Quis recuar. Sentiu-se chumbado ao solo. Agora, Otávio tinha um outro visual, trajava-se à moda Idade Média, portando na cinta um florete, tal qual via em seus recentes sonhos.
Falando claro e em bom tom, Otávio dizia:
Hoje, somos o resultado do que plasmamos no passado e no presente estamos tecendo nosso futuro. Usando nosso livre-arbítrio, semeamos aquilo que queremos, entretanto, a colheita é obrigatória, não se escolhe, recolhemos os frutos daquilo que foi plantado. A cada um será dado segundo as suas obras, ou seja, temos o que merecemos, não como castigo de Deus, mas como oportunidade renovável até encontramos o caminho do bem, do amor, do perdão, da solidariedade, da fraternidade cristã que nos levarão a reencarnações em mundos melhores, mais felizes.
Arlindo estava surpreso com a fluência e a propriedade das palavras de Otávio. Mais surpreso ficou ao olhar para si mesmo e ver-se também em trajes antigos, apunhalando Otávio pelas costas numa fúria incontida para vingar a perda da mulher amada para seu inimigo de tantos séculos. Quis correr, gritar, faltaram-lhe as forças, porém, ainda pôde ouvir Otávio concluir: As vítimas de hoje certamente foram os algozes de ontem e, para que os dramas passionais não se renovem, é imprescindível que os ofendidos perdoem incondicionalmente seus agressores considerando-os como almas doentes, carentes de compaixão e de tratamento, numa demonstração eloquente de que o ensinamento de Jesus que nos concita a perdoar para sermos perdoados foi assimilado e posto em prática.
Sufocado pela emoção, Arlindo desmaiou. Despertou amparado pelo Sr. Nilton. Desejou contar tudo o que havia acontecido, não foi possível, estava envergonhado pela tragédia revivida e pelo desfalecimento sofrido. Seu Nilton confortou-o lembrando que ninguém lhe atiraria pedras, pois que, neste mundo, não há pelo menos um que não tenha pecados.
Aquele dia memorável marcou o início de uma nova era para Arlindo e Otávio. Finalmente reconciliaram-se, houve o perdão recíproco.